quarta-feira, 10 de junho de 2020

Ainda em casa? Crônicas sobre a pandemia.


Vitor de 4 anos, aluno de EMEI, chega para a mãe pergunta:

-A escola acabou?

- Não Vitor, ela ainda está lá te esperando. Mas temos que esperar a pandemia passar.

- E essa pandemia não sabe correr?

Depoimento de Noêmia, mãe do Lucca 10, Vitor 4 e Mariana 1.

 

Duda de 5 anos, aluna de escola particular, pergunta:

- Quando a professora vai para de brincar no computador e vai para a escola?

A mãe argumenta:

-Ela não está brincando no computador, ela está trabalhando na casa dela.

-E quando ela vai parar de trabalhar e vai para a escola?

Depoimento de Valquíria, mãe de Pedro, 12 anos e Duda, 5.

 

Noêmia e Valquíria, são clientes de nossa Clínica e enviaram estes relatos por mensagem. Neste contexto, chega a ser engraçado a colocação de Vitor que personificou a pandemia, querendo saber o motivo de tanta demora para voltar à sua rotina escolar. Duda por sua vez, ainda não compreende sobre o trabalho da professora na escola ser o mesmo (ou deveria) online. Crianças de realidades diferentes, mas que buscam compreender ao seu modo o que está acontecendo. Assim como eles, muitas crianças que estão na educação infantil ainda não conseguem compreender direito o que está acontecendo e porque demora tanto para irem à escola, ao shopping, à praia, ao parque, ver os amigos, porque as aulas são no computador, etc.

Como já mencionado em outra publicação, o importante é tentar repassar às crianças, informações sobre a situação, mas de maneira que elas possam não somente compreender, mas agir sobre a informação. Como assim? Ao falar para uma criança entre 3 e 6 anos sobre a pandemia, é preciso lembrar que de acordo com o Estágios de Desenvolvimento Cognitivo de Jean Piaget (1952), esta criança se encontra no período Pré-operatório. Ou seja, a criança desenvolve um sistema representacional e utiliza símbolos para representar pessoas, lugares e eventos. Dessa maneira, simplesmente falar não adianta, é preciso criar mecanismos que ajudem a representar, a simbolizar uma situação para que elas possam compreender de maneira mais assertiva. Algumas dicas são utilizar histórias, fábulas e desenhos para auxiliar nesta situação.

 Por exemplo: Conte uma história para a criança e peça a ela que imagine que o Covid19 seja um vilão que tem o poder de estar em toda a parte, e que precisa se alimentar de peixinhos de um rio. Os peixes sabendo que tem alguém querendo devorá-los no rio, irão sair nadando livremente ou irão preferir ficar em casa até que o vilão seja eliminado? 

Bom, ainda não apareceu um herói para salvar os peixinhos, mas eles descobriram que usando sabão conseguem disfarçar o cheiro de peixe para o vilão não os descobrir e que usando máscaras, confundem o vilão, que não consegue ver direito o rosto dos peixinhos e por isso, eles terão mais chances de se salvarem se precisarem sair de suas casas para ir a algum lugar no rio. Mas nem tudo está perdido, disse um dos peixinhos. Em algum lugar que ainda não sabemos onde fica, tem um herói criando uma arma secreta para derrotar esse vilão, por isso não precisamos ter medo, só precisamos tomar os cuidados necessários para sair até que a arma secreta fique pronta.  

Para ajudar na compreensão, após a história, é possível pedir para as crianças desenharem os personagens da história, fazerem fantoches de papel e palito de sorvete, dramatizarem a história ou quem sabe, instigá-los com perguntas, como por exemplo:

- Se você fosse um dos peixinhos dessa história, como você reagiria se soubesse que tem um vilão que se alimenta de peixes à solta?

- Você avisaria seus amigos para que eles tomassem cuidado e também se disfarçassem usando máscaras ou sabão?

Outra saída é a utilização das bonecas ou de carrinhos, não importa muito o que irão utilizar, o que importa é a simbologia. Junto à criança, pergunte: Você sabe o que é uma gripe/resfriado? Se a resposta for sim, peça para te contar como é. Ajude a lembrar nomeando alguns sintomas. Se a resposta for não, peça para imaginar, utilizando o mesmo exemplo dos sintomas. Nada muito assustador. Junte os carrinhos ou as bonecas e diga: Temos aqui um carrinho/boneca muito gripado (coloque-o longe dos outros) e ele não sabe como melhorar. Mesmo assim ele saiu e encontrou os amigos (coloque perto dos amigos), que também pegaram sua gripe e agora estão também doentinhos.

Dê um jeito de colocar uma máscara de papel, só um modelo mesmo, sobre a parte da frente do carrinho ou da boca da boneca e diga:

-Este amigo aqui, vai encontrar aquele que ficou gripado primeiro. Observe a reação da criança! Continue e invente um diálogo entre os dois, mas que não envolva ainda a máscara. Depois desse encontro diga:

- Olha! Este aqui encontrou seu amigo, conversaram e ele não pegou a gripe, por que será?

Deixe que a criança elabore sua resposta. A partir daí você pode criar novos diálogos e ao invés de dizer os motivos, dar explicações sobre o tema, crie situações, diálogos, histórias para que a criança seja capaz de desenvolver a habilidade de dedução.

Estes são apenas exemplos de como podemos ajudar as crianças a compreenderem um pouco mais sobre a pandemia, de como é possível utilizar o lúdico para isso e para lembrar que a elaboração, o raciocínio das crianças depende do estágio do desenvolvimento infantil em que se encontram. Isso nos permite ter em mente qual seria a melhor forma de ajudar os pequenos a compreender diversas situações, que para nós pode ser simples, mas que para eles exige um outro tipo de investimento cognitivo. 

Para saber mais, entrem em contato conosco!

Autor: Alexandre Muniz – Psicopedagogo e Neuropsicólogo Clínico.

 


sexta-feira, 5 de junho de 2020

Uma ponta de empatia? Pequenos fragmentos do trabalho online de professores.




Relógio pronto para despertar. Entrar nos links (da escola, da SME, da DRE..) e ainda verificar se os alunos postaram as atividades para corrigir. Das 40 atividades esperadas, 12 foram enviadas, 5 incompletas, 20 disseram que enviaram e o restante não se manifestou. Volta para acompanhar a “LIVE” do Secretário, que diz uma coisa, o Governo determina outra e a gestão pede outra, geralmente conflituosa com as outras solicitações. Coloca o celular no carregador, abre notebook (quem tem), pesquisa, entra no link da escola, volta a olhar o celular, tenta acompanhar tudo e entre esse tudo, as informações de que as escolas irão reabrir em julho, não em agosto, não em junho mesmo. Entra no Chat, vê que o salário será congelado, que os direitos deixaram de ser direitos e as cobranças online são muito maiores que as presenciais. Volta para o link da sua unidade escolar, ouve da gestão que estão todos no mesmo barco (alguns em canoas outros em jangadas mesmo), respira fundo, volta para as atividades, atende pelo menos uns 10 pais que dizem não entender as atividades e que as crianças não precisam passar por isso, que os professores devem explicar direito a matéria, que eles não têm obrigação de parar o que estão fazendo para ajudar os filhos com as tarefas e dizem não encontrar as atividades enviadas pelos professores. Volta para o Chat, a conexão cai, os dados móveis são rapidamente sugados pelos aplicativos pesados que ele foi obrigado a baixar para ter acesso às orientações, reuniões e acompanhamento do trabalho da Rede. A conexão se restabelece, ele descobre que as escolas vão reabrir sem álcool em gel para todos, sem papel higiênico, papel toalha, sabonete líquido e com os mesmos 40, 45 alunos confinados numa sala de aula sem ventilador, ar-condicionado e sem sansões para quem não usar máscaras. Olha o celular e vê 57 mensagens do grupo da escola; 18 só da coordenação e mais umas 27 do grupo da família. Vai ao mercado com máscara e com a confiança de que o tíquete alimentação vai dar para ajudar a comprar alguns itens essenciais. Não deu, pois como está em casa, alguns órgãos reguladores de seu RH acreditam que não precisa do tíquete integral. Volta para casa, toma banho com água e sabão dos pés à cabeça, coloca as roupas para lavar e desinfeta os sapatos. Encosta um pouco para assistir ao jornal, mais de 27.000.00 mortos, o presidente querendo que a Economia se restabeleça, o Governador diz que não vai afrouxar o isolamento, mas recuar e abre primeiro os shoppings, o Prefeito, diz que há um escalonamento de reabertura gradativa para reabertura de estabelecimentos, mas sem uma fiscalização eficaz, muitos lugares já reabriram e ele nem sabe. Se alimenta, tentar interagir com a família, verifica o material enviado para preparar as aulas, entre em blogs e sites de educação, colhe material e vai dormir para descansar, afinal, amanhã será sábado e poderá descansar um pouco. O celular vibra, ele visualiza e recebe uma mensagem do grupo da escola: “Atenção professores, conforme o combinado, amanhã às 8hs teremos nosso Conselho de Classe. ”  Reclina na cama e sem o sono, que fugiu diante da nova informação, assiste ao último jornal da noite. Na tela, um parlamentar fala sobre a necessidade de gerar receita e que uma das saídas é o congelamento dos salários dos funcionários públicos. O professor lembra que estão há mais de 4 anos sem aumento e que nunca recebeu um reajuste integral, sempre foi fracionado por um período de tempo tão longo, que quando consegue receber a última incorporação daquele valor ao seu salário, já não consegue fazer muito. Finalizando a fala em meio uma reunião, o mesmo parlamentar chamas o funcionalismo público de parasitas. O professor, levanta toma um café, tentar relaxar e deita novamente. O relógio pronto para despertar o chama para mais um dia de desafios do trabalho em casa. Ele levanta, se apruma e se coloca novamente à serviço de sua escolha profissional, afinal por mais contas que ele tenha a pagar, ele assumiu uma responsabilidade para com seus alunos e com ele mesmo, o compromisso de fazer a sua parte e o seu melhor para a Educação, esteja ela como estiver.

Estes são apenas alguns fragmentos do que os professores estão passando neste período de pandemia, isolamento social e com a obrigação do trabalho online. Os alunos estão estressados com a quantidade de atividades, os pais estão estressados, a gestão e também os professores. Mas ao invés de procurarem desenvolver a empatia, muitos procuram apontar o dedo, ofender e despejar no outro o sentimento de raiva que se formou dentro de si por conta desse isolamento, bradando sem pensar em como o outro também está se sentindo. O professor nesse momento é cobrado pela gestão, pelos alunos, pelos pais, pela família e ainda é obrigado a lidar com informações desconexas sobre uma possível volta ao trabalho, sem respaldo algum para garantir a sua saúde física, mental e emocional, e dos demais que estarão aos seus cuidados. Antes de atacar, ofender, agredir e depreciar um professor, tente se colocar no lugar dele por pelo menos um dia!

Autor: Alexandre Muniz - Professor - Neuropsicólogo Clínico e Psicopedagogo


Ainda em casa? Crônicas sobre a pandemia.

Vitor de 4 anos, aluno de EMEI, chega para a mãe pergunta: -A escola acabou? - Não Vitor, ela ainda está lá te esperando. Mas temos que ...