sexta-feira, 5 de junho de 2020

Uma ponta de empatia? Pequenos fragmentos do trabalho online de professores.




Relógio pronto para despertar. Entrar nos links (da escola, da SME, da DRE..) e ainda verificar se os alunos postaram as atividades para corrigir. Das 40 atividades esperadas, 12 foram enviadas, 5 incompletas, 20 disseram que enviaram e o restante não se manifestou. Volta para acompanhar a “LIVE” do Secretário, que diz uma coisa, o Governo determina outra e a gestão pede outra, geralmente conflituosa com as outras solicitações. Coloca o celular no carregador, abre notebook (quem tem), pesquisa, entra no link da escola, volta a olhar o celular, tenta acompanhar tudo e entre esse tudo, as informações de que as escolas irão reabrir em julho, não em agosto, não em junho mesmo. Entra no Chat, vê que o salário será congelado, que os direitos deixaram de ser direitos e as cobranças online são muito maiores que as presenciais. Volta para o link da sua unidade escolar, ouve da gestão que estão todos no mesmo barco (alguns em canoas outros em jangadas mesmo), respira fundo, volta para as atividades, atende pelo menos uns 10 pais que dizem não entender as atividades e que as crianças não precisam passar por isso, que os professores devem explicar direito a matéria, que eles não têm obrigação de parar o que estão fazendo para ajudar os filhos com as tarefas e dizem não encontrar as atividades enviadas pelos professores. Volta para o Chat, a conexão cai, os dados móveis são rapidamente sugados pelos aplicativos pesados que ele foi obrigado a baixar para ter acesso às orientações, reuniões e acompanhamento do trabalho da Rede. A conexão se restabelece, ele descobre que as escolas vão reabrir sem álcool em gel para todos, sem papel higiênico, papel toalha, sabonete líquido e com os mesmos 40, 45 alunos confinados numa sala de aula sem ventilador, ar-condicionado e sem sansões para quem não usar máscaras. Olha o celular e vê 57 mensagens do grupo da escola; 18 só da coordenação e mais umas 27 do grupo da família. Vai ao mercado com máscara e com a confiança de que o tíquete alimentação vai dar para ajudar a comprar alguns itens essenciais. Não deu, pois como está em casa, alguns órgãos reguladores de seu RH acreditam que não precisa do tíquete integral. Volta para casa, toma banho com água e sabão dos pés à cabeça, coloca as roupas para lavar e desinfeta os sapatos. Encosta um pouco para assistir ao jornal, mais de 27.000.00 mortos, o presidente querendo que a Economia se restabeleça, o Governador diz que não vai afrouxar o isolamento, mas recuar e abre primeiro os shoppings, o Prefeito, diz que há um escalonamento de reabertura gradativa para reabertura de estabelecimentos, mas sem uma fiscalização eficaz, muitos lugares já reabriram e ele nem sabe. Se alimenta, tentar interagir com a família, verifica o material enviado para preparar as aulas, entre em blogs e sites de educação, colhe material e vai dormir para descansar, afinal, amanhã será sábado e poderá descansar um pouco. O celular vibra, ele visualiza e recebe uma mensagem do grupo da escola: “Atenção professores, conforme o combinado, amanhã às 8hs teremos nosso Conselho de Classe. ”  Reclina na cama e sem o sono, que fugiu diante da nova informação, assiste ao último jornal da noite. Na tela, um parlamentar fala sobre a necessidade de gerar receita e que uma das saídas é o congelamento dos salários dos funcionários públicos. O professor lembra que estão há mais de 4 anos sem aumento e que nunca recebeu um reajuste integral, sempre foi fracionado por um período de tempo tão longo, que quando consegue receber a última incorporação daquele valor ao seu salário, já não consegue fazer muito. Finalizando a fala em meio uma reunião, o mesmo parlamentar chamas o funcionalismo público de parasitas. O professor, levanta toma um café, tentar relaxar e deita novamente. O relógio pronto para despertar o chama para mais um dia de desafios do trabalho em casa. Ele levanta, se apruma e se coloca novamente à serviço de sua escolha profissional, afinal por mais contas que ele tenha a pagar, ele assumiu uma responsabilidade para com seus alunos e com ele mesmo, o compromisso de fazer a sua parte e o seu melhor para a Educação, esteja ela como estiver.

Estes são apenas alguns fragmentos do que os professores estão passando neste período de pandemia, isolamento social e com a obrigação do trabalho online. Os alunos estão estressados com a quantidade de atividades, os pais estão estressados, a gestão e também os professores. Mas ao invés de procurarem desenvolver a empatia, muitos procuram apontar o dedo, ofender e despejar no outro o sentimento de raiva que se formou dentro de si por conta desse isolamento, bradando sem pensar em como o outro também está se sentindo. O professor nesse momento é cobrado pela gestão, pelos alunos, pelos pais, pela família e ainda é obrigado a lidar com informações desconexas sobre uma possível volta ao trabalho, sem respaldo algum para garantir a sua saúde física, mental e emocional, e dos demais que estarão aos seus cuidados. Antes de atacar, ofender, agredir e depreciar um professor, tente se colocar no lugar dele por pelo menos um dia!

Autor: Alexandre Muniz - Professor - Neuropsicólogo Clínico e Psicopedagogo


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